Traduzir

terça-feira, 29 de julho de 2014

O pai, a revolução masculina e a amamentação - em busca da paternidade ativa

Original em Cientista que virou mãe, por Ligia Moreiras Sena

Ontem li e compartilhei um texto publicado em setembro do ano passado na Revista TPM com o título de "O Novo Pai". Belo texto de autoria da roteirista e escritora Antonia Pellegrino que fala sobre o novo papel que alguns homens decidiram assumir como pai; uma forma de ser pai que é fruto da revolução feminina, mas também de uma maior consciência sobre criação de seres humanos; um pai que assume sua paternidade tanto quanto a mãe assume sua maternidade. Aquele pai que não vê os cuidados com os filhos como "ajuda", porque quem ajuda está sempre fazendo um "favor"; ele vê a criação dos filhos como função tão sua quanto da mãe. A autora traça um paralelo entre o que ela chama de "pai tradicional" - caracterizado como sendo aquele cara que divide os custos do filho com a mãe mas não a responsabilidade sobre ele, e que leva sua vida normalmente durante a gravidez, saindo, bebendo, voltando tarde, reclamando que a mulher mudou, e que, após o nascimento, chega à noite, faz um carinho e dorme, achando que dar banho é o máximo que pode fazer, vangloriando-se por isso.

Esse é um assunto da máxima importância, porque de nada adianta um mundo de mulheres espalhadas por aí buscando serem as melhores mães que podem ser, enquanto em casa vive um ser que não está assim tão preocupado com a forma com que cria os filhos - ou enquanto o pai de seus filhos vive por aí a esmo, sem se tocar do prejuízo que sua negligência pode causar ao filho e ao mundo. De nada adianta uma maternidade consciente e ativa enquanto a paternidade estiver sendo negligenciada, fato.  Ou a gente cria essas crianças integralmente, ou o trabalho continuará pela metade.

Também de nada adianta um homem engajado e preparado para auxiliar se os serviços de saúde não souberem acolhê-lo, prepará-lo, discutir com ele todos os aspectos referentes à saúde da família. Muitos homens paternalmente ativos têm se sentido marginalizados durante a gestação da esposa, durante o parto ou após. Pouca - ou nenhuma - atenção é dada pelos próprios profissionais da saúde ao papel do pai em todas as fases da criação dos filhos, desde antes do nascimento, o que aponta também para a reformulação do atendimento e para a criação de políticas públicas que incentivem e garantam a participação masculina.

Em meu caso individual, tenho a alegria de dividir com meu companheiro os cuidados com minha filha. Essa é a terceira experiência de paternidade dele e a primeira, de fato, integral, por diferentes motivos, inclusive (mas não só) por maturidade dele e semelhança entre nossos pontos de vista.

Isso é fruto da disposição dele de atuar, de estar junto, de estar presente, mas também foi e é fruto de nossas escolhas e lutas e da minha aceitação. Procuramos apoio na gestação, no parto e no pós-parto. Mudamos a vida de forma que a participação dele fosse valorizada. Ele transferiu para a casa a totalidade de suas atividades - perdendo, nessa, um bom número de interações que lhe trariam mais trabalho e mais dinheiro. Eu soube acolher essa incursão na criação da nossa filha. Pode parecer mentira, mas muitas mulheres não aceitam a presença igualitária do pai na criação dos filhos, o que é, por si só, um sério impedimento à paternidade ativa...

Ou seja, há que se estimular os homens a serem pais verdadeiros, presentes, participativos? Sem dúvida. Mas há também que saber acolher esses novos homens, porque eles precisam de acolhimento. E há também que partir do próprio coletivo masculino a vontade de ser reconhecido como importante na questão da criação dos filhos, e não como acessório ou apenas garantia financeira.


Nós, mulheres, estamos em plena revolução feminista (as pessoas acham que ela aconteceu há 40, 50 anos, mas eu não acho; acho que a estamos vivendo todos os dias, do contrário não teríamos que lutar por coisas absolutamente básicas à condição feminina, e ainda lutamos...).


Sabe o que faltaA Revolução Masculina. Não a revolução do macho. A revolução do novo homem. Esse, com quem andamos encontrando pela vida com cada vez mais frequência e que é bacanudo.


Sinto uma satisfação imensa por ver minha filha valorizar tanto a mãe quanto o pai e de não fazer distinção de qualquer tipo. Não há, nesta casa, nenhum tipo de atividade que seja feita somente pela mãe ou somente pelo pai, fazemos tudo o que a Clara precisa juntos. E ela sabe disso. Na página do blog no Facebook, muitas mulheres compartilharam, abaixo do link com o texto que mencionei acima, suas experiências bacanas com os pais de seus filhos, homens que estão mudando a cara da paternidade, homens "que estão grávidos", que "amamentam", que cozinham para os filhos, que leem livros sobre maternidade/paternidade, que estão desenvolvendo a intuição sobre o que o filho precisa, que estão se dedicando a lerem os sinais que as crianças mandam, coisas que há não muito tempo eram vistas somente entre mulheres. Ainda temos muito a caminhar, mas já caminhamos um bocado em direção a uma maternidade/paternidade integral.

Tenho a mais plena convicção de que a participação ativa do pai ajuda a garantir uma boa gestação, facilita o trabalho de parto, torna o parto e nascimento um momento mais significativo, facilita a passagem da mulher pelo puerpério - esse portal de mudanças ainda tão desconhecido -, ajuda a garantir o sucesso da amamentação, facilita a volta da mulher ao trabalho, torna esses processos mais fáceis e menos dolorosos. O homem está se construindo como novo ser humano à medida que se constrói como novo pai, e esse processo traz inúmeros benefícios não só à mulher, mas a toda a família.

É o caso da amamentação.
Grande parte das mulheres que tiveram experiências bonitas de amamentação afirmam terem tido apoio do pai de seus filhos. Posso falar por mim: a presença e apoio do pai da minha filha foi algo insubstituível. Nós não pudemos contar com a ajuda de ninguém quando a Clara nasceu, éramos - como somos até hoje - apenas nós três. E ele esteve ao meu lado ativamente em todos, absolutamente todos, os momentos difíceis de início de maternidade. Mas os efeitos dessa presença sobre a amamentação foi algo que realmente me marcou.


Então, inspirada por essas belas experiências de paternidade, compartilho aqui um artigo de revisão publicado recentemente (2012) em uma revista de pediatria e que tem como título "Apoio paterno ao aleitamento materno: uma revisão integrativa". A pesquisa foi conduzida por um grupo de pesquisadores formado por uma mulher e dois homens, coisa que achei muito bacana. Um artigo de revisão é uma publicação fruto de um trabalho de pesquisa teórica sobre tudo o que já foi publicado a respeito de um determinado assunto. Eu, particularmente, adoro revisões porque nos dão um apanhado geral e nos localizam no problema, além de reunir em um só diferentes trabalhos. Você pode acessar o artigo na íntegra aqui, mas fiz uma seleção dos trechos que considero mais relevantes no contexto da nova paternidade e apresento-os abaixo.

Mas já dou uma dica: se você é mulher, é legal que leia. Mas não deixe de indicar a um homem. Mande o link ou imprima e entregue. Pode ser seu companheiro, seu irmão, seu amigo, seu vizinho, seu pai. É importante que eles saibam que são importantíssimos, tão importantes quanto nós no estabelecimento de uma criação afetuosa e integral. Pais ativos contribuem para a formação de novos pais ativos.

Segue, então, os trechos que selecionei por considerá-los fundamentais:

  • A  amamentação  sofre  fortes  influências socioculturais. Na tentativa de incentivar a amamentação, muitas campanhas trazem como slogan “amamentar é um ato de amor” e, na lógica descrita anteriormente, prover alimento  aos filhos é possível apenas para as mulheres. Neste contexto,  a mãe fica sendo a única responsável pelo sucesso do aleitamento materno e o não aleitamento ou o desmame precoce. Esse tipo de abordagem pode ser prejudicial, uma vez que impõe exclusivamente à mãe um fardo que deveria ser dividido com seu companheiro, familiares e profissionais de saúde.Mulheres  entrevistadas no período puerperal revelaram a necessidade de  outra  pessoa  para  ajudar,  esclarecer  e  acompanhar;  os familiares e pessoas significativas devem agir como fontes de ajuda, e os profissionais de saúde, principalmente os de enfermagem e pediatras, como fontes de informação.
  • Quanto  à  ajuda  familiar, destacam-se como entes mais próximos: a mãe da puérpera e o pai do recém-nascido.  
  • O apoio paterno é um importante aliado do aleitamento.  O homem, enquanto pai e companheiro, deve participar da saúde integral da mulher e da criança. Um estudo (...), ao verificar a opinião do pai, concluiu serem todos os participantes a favor da amamentação, por trazer benefícios tanto para o bebê quanto para a mãe. Quando indagados sobre as mudanças ocorridas na vida conjugal, os pais consideram que o ato de amamentar demanda maior dedicação da mulher, refletindo nos afazeres diários e horários de descanso, porém compreendem a sua importância e se comprometem em apoiar. Contudo, a amamentação ainda é, para alguns pais, uma ação centrada no corpo biológico e, consequentemente, pertence apenas à mulher, apoiando a mulher não como pais auxiliadores, mas como pais provedores do lar.

O pai como suporte para a amamentação

  • Dentre todos os entes familiares e pessoas próximas citadas, a presença do pai é o suporte de maior relevância para a  amamentação na perspectiva materna. A influência paterna  é  destacada  como  um  dos  motivos  para  o  aumento  da  incidência e prevalência, ou seja, o pai influi na decisão da  mulher de amamentar e contribui para a sua continuidade.
  • O conhecimento do pai sobre amamentação é imprescindível. Contudo, muitas vezes este ocorre envolto por dúvidas em aspectos distintos, evidenciando a necessidade de intervenção profissional. 
  • O sucesso do aleitamento, contudo, não depende somente da sua presença, mas também da sua atitude. Existe o pai  do tipo atuante, que tem taxa de aleitamento maior que o pai do tipo indiferente. A atuação do pai ainda é permeada  por  incertezas e dificuldades, ao ponto de crianças do ensino fundamental e até mesmo algumas mães relatarem que a inclusão do pai na alimentação infantil se dá através da mamadeira.
  • A prática de amamentar deve ser centralizada na conjugalidade de todos os membros da família, o que direciona para a formulação de políticas públicas de saúde que visem inserir a família, principalmente  o pai, no pré-natal e na atenção à saúde materno infantil como forma de articular e traçar objetivos em comum nas ações dos profissionais.

Percepções paternas sobre a amamentação

  • (...) a melhoria dos indicadores de saúde materno infantil está intimamente ligada à mudança de atitude dos homens
  • o pai apresenta grande potencial de tornar-se um suporte para o aleitamento materno
  • A mãe, geralmente, não é lembrada como beneficiária e, sim, como protagonista. Os pais referem-se a elas apenas como provedoras da alimentação do bebê e não mencionam a rápida involução  uterina,  a  redução  do  risco  de  câncer  de  mama, entre outros benefícios do aleitamento materno para a saúde da mãe, os quais parecem ser desconhecidos ou ignorados.
  • O  fato do ato fisiológico de prover alimento ao filho ser exclusivo da mulher gera nos seus companheiros sentimentos de isolamento e competitividade. Devido a isso, o pai direciona sua busca por informações para temas como a interação pai-ilho, sendo o aleitamento um dos menos procurados.
  • A amamentação ainda está centrada no corpo biológico. Infelizmente, discriminar atributos femininos e masculinos é uma  expectativa também parte da cultura da mulher. Não obstante, é possível encontrar companheiros interessados que referem exclusão não apenas na amamentação como também em todo o processo do cuidar. A aceitação materna do apoio paterno é ponto crucial para que este aconteça.
  • Pais de crianças entre um e 12 meses relataram não terem sido solicitados pelos profissionais no pré-natal, apesar de estarem presentes no serviço de saúde. Ainda que tenham a intenção de apoiar, encontram dificuldades,  como  horários  das  consultas  e  grupos  de  gestantes incompatíveis com os de seu trabalho.
  • A vivência do pai acerca do aleitamento materno é permeada por sentimentos paradoxais. Sentem-se felizes e querem apoiar, simultaneamente sentem-se frustrados e excluídos. Acreditam que a amamentação representa o vínculo afetivo, contudo minimiza sua participação nos cuidados com o bebê. Além  disso,  enfatizam  que  pode  interferir  na  sexualidade do casal. Esta ambivalência se relaciona com o medo do desconhecido: a transformação do núcleo familiar.
  • (...) o pai representa uma influência ímpar na decisão da mulher de amamentar. Entretanto, sua participação na amamentação, até o momento, é permeada por dúvidas, preconceitos e até imposição.  Julgam serem capazes de apoiar apenas por meio de verbalizações positivas e não com ações e mostram-se preconceituosos em relação à exposição pública durante a amamentação. No pós-parto, o desconforto e a insegurança presentes na maioria dos relacionamentos conjugais são mais intensos nos primeiros três meses e podem ser amenizados se discutidos no pré-natal.

Considerações finais

  • Evidenciou-se que a mulher no ciclo gravídico puerperal necessita de apoio social, profissional e familiar, sendo o pai  o  principal suporte.
  • O homem tem atuado cada vez mais em seu papel de pai, acompanha sua companheira aos serviços de saúde e busca apoiá-la da melhor forma. Em contrapartida, os profissionais de saúde não têm se capacitado para recebê-los na mesma proporção. Durante a graduação, os  temas  abordados relativos  ao  aleitamento  ainda  são, primordialmente, sobre técnica,  manejo da amamentação e composição do leite materno, marginalizando os aspectos psicológicos e a inclusão paterna. Apesar  de  todas  as  mudanças  em  busca  da  inclusão  do homem, este ainda encontra dificuldades para compreender as transformações que ocorrem com as mulheres no decorrer de suas vidas, verdade esta observada e confirmada no cotidiano da assistência. O complexo processo de fusão da atenção à saúde aos diferentes membros de uma família ainda é um desafio a ser vencido.

PS: Mulheres que têm companheiros ativos na maternidade/paternidade. Chega disso de que "meu marido é legal porque ele me ajuda". Ajuda subentende favor. Não é favor nenhum cuidar de filho, é o que se espera de gente bacana. O discurso é poderoso, mudando o discurso contribuímos para mudar a realidade. 

Ligia Moreriras Sena

Nenhum comentário:

Postar um comentário