Original em uma vez mamífera, por Renata Penna
Mania besta que a gente tem, de achar que por ser mãe, tem que virar super-alguma-coisa.
Mania boba que a gente tem, de achar que por ser mãe, fica livre do erro, do mau humor, da irritação cotidiana, da impaciência e da tpm.
Mania chata que a gente tem, de achar que por ser mãe, tem que dar conta de tudo, acolher o mundo inteiro com os dois braços, dar passos maior que as pernas e saber de tudo o que existe e ainda vai existir.
Não, não tem.
Mãe é bicho imperfeito, como todos os outros. Mãe sabe uma porção de coisas, e ignora um tantão de outras, como todo mundo. Mãe é ser humano, feito de defeitinhos, de tropeços e de cicatrizes, de bonitezas e de lágrimas, de sorrisos e de momentos de quase desespero.
E mãe tem direito de se mostrar assim: falível. Em carne viva, com as ideias bagunçadas e os sentimentos embaralhados embaçando a vista. Acontece, faz parte, disso é feita a vida, é.
Mãe tem direito de dizer pro filho: hoje, não; hoje tô cansada, tô sem paciência, tô irritada, tô desesperançada, tô desiludida, tô de coração partido, hoje tô pequenina feito grão de milho.
Mãe tem direito de chorar abraçando os joelhos, de não ter vontade de levantar da cama, de arrancar os cabelos e pedir pra sair, pedir água, pedir penico, pedir arrego. E ensaiar uma desistência que depois, fica no meio do caminho – porque no fundo não era o que a gente queria, a gente só queria mesmo era saber que não matava ninguém se também desesperasse um tantinho pra depois voltar a querer.
Não é descontar qualquer coisa no filho, não – é pedir espaço para ser de verdade, de coração remendado como o são todos os corações que vão se rasgando com a vida, que é bonita bonita e bonita mas também é doída, aqui e ali e aqui de novo, e ali uma outra vez. É poder ser inteira feito gente de verdade, é poder ficar nua, despida, descabelada, é poder deixar ver além da coragem o medo e além da força o cansaço, é poder tirar a máscara para ela não colar no rosto, é poder ser, além de porto seguro, também o susto. Porque ninguém é uma coisa só.
E mãe também tem direito de ser acolhida. Mãe também quer colo, também quer abraço, também quer ouvir uma canção de ninar cantada baixinho no pé do ouvido, com direito a cafuné e brigadeiro. Mãe também quer ouvir que vai ficar tudo bem. E fica, de um jeito ou de outro. Fica.
Mãe é gente, e o bonito de gente é isso: afina e desafina, já dizia Rosa.
Que as pessoas não vêm prontas – elas estão sendo. E todos os dias, aprendem a ser um pouquinho mais. Um passinho além.
E mãe, é pessoa também.
* um ‘desabafo-litero-experimental’, num dia em que acordei antes ‘serumana’ do que qualquer outra coisa
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