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terça-feira, 24 de junho de 2014

Estudando a gravidez prolongada

Por Melania Amorim, médica obstetra PhD
Original em Estuda, Melania, Estuda

Gestação prolongada, ou seja, a partir de 42 semanas, ocorre em aproximadamente 5% dos casos, enquanto aproximadamente 10% de todas as gestações se estendem além de 41 semanas (1). É certo que as gravidezes realmente prolongadas (além das 42 semanas) são relativamente raras, uma vez que em muitos casos ocorre um erro na determinação da idade gestacional, porque a data da última menstruação não está correta, ou porque houve uma ovulação tardia e a fecundação não ocorreu por volta do 14º dia do ciclo. 

Ingrid Lotfi com 42 semanas

Justamente por esse motivo, uma política de indução do parto ou, como ocorre com certa frequência em nosso país, de cesariana eletiva depois de 40  semanas (ou até antes!) pode promover danos, uma vez que bebês ainda não preparados para nascer podem ser retirados prematuramente do ventre de suas mães.  A realização de ultrassonografia precoce (primeiro trimestre) reduz a frequência de diagnóstico de gravidez prolongada, uma vez que boa parte dos casos se deve a erro de datação da idade gestacional (1). 

Por outro lado, mesmo gestações realmente prolongadas, datadas corretamente, com idade gestacional confirmada por ultrassonografia precoce, podem ser fisiologicamente prolongadas, porque aquele bebê, especificamente, ainda não está maduro, pronto para nascer, e portanto não se ativa a complexa cascata de eventos hormonais e bioquímicos que leva à deflagração do trabalho de parto. Esses bebês também não se beneficiam de uma política de antecipação do parto, quer por indução quer por cesariana, como ocorre aqui no Brasil, onde infelizmente "antecipar o parto" virou sinônimo de cesariana eletiva.

O maior temor de uma gestação prolongada é que, com o passar do tempo, possa ocorrer insuficiência placentária, com redução do aporte de nutrientes e oxigênio para o bebê, o que pode acarretar aumento de morbidade e mortalidade perinatal, com maior frequência de morte perinatal, anormalidades da frequência cardíaca fetal intraparto, eliminação de mecônio, macrossomia e cesariana (1-4).

Há controvérsias em relação à conduta obstétrica, sendo que a literatura disponível consiste de ensaios clínicos randomizados comparando indução sistemática a partir de 41-42 semanas versus expectação com monitorização do bem-estar fetal (1-4). Não estão disponíveis ensaios clínicos randomizados para avaliar via de parto em gestação prolongada, porém a indução do parto tem sido proposta em todos os ensaios clínicos que comparam conduta ativa com conduta expectante (1-4).  Infelizmente, no Brasil, tem sido frequente a indicação de cesariana quando a gestação ultrapassa 40 semanas, sobretudo no setor privado, sobretudo se a paciente já escapou anteriormente de uma indicação de cesariana por condições sem respaldo científico anteriormente (5), porém essa conduta não é corroborada por evidências.

Estão disponíveis na literatura quatro revisões sistemáticas com metanálise abordando a conduta na gravidez que se estende além do termo. Na revisão sistemática de Sanchez-Ramos e colaboradores, publicada em 2003, foram incluídos 16 estudos e observou-se que a indução do parto a partir de 41 semanas, quando comparada à conduta expectante, resultou em menor taxa de cesáreas (20,1% versus 22%) e de líquido amniótico meconial (22,4% versus 27,7%), porém, não houve diferença em termos de mortalidade perinatal, escores de Apgar, admissão em UTI neonatal e síndrome de aspiração meconial. Os autores sugerem que a indução do parto a partir de 41 semanas reduz as taxas de cesárea sem comprometer o prognóstico perinatal (2).  No entanto, a redução do risco de cesariana foi apenas marginal.

Outra revisão sistemática publicada em 2009 incluiu 13 ensaios clínicos randomizados com 6.318 mulheres com idade gestacional a partir de 41 semanas (3) e não encontrou redução da mortalidade neonatal com a conduta expectante, verificando-se um risco relativo de 0,33 (IC 95%=0,10-1,09), porém a indução eletiva se associou com redução significativa da síndrome de aspiração meconial (RR=0,43; IC 95%=0,23-0,79), sem diferença no número de admissões em UTI neonatal. O risco de cesariana foi menor em mulheres no grupo da indução (RR=0,87; IC 95%=0,79-0,96), que apresentaram também menor peso fetal (diferença em torno de 100g). Um dos estudos incluídos avaliou satisfação materna e encontrou maior satisfação no grupo submetido à indução do parto (74% vs. 38% referiram preferir a mesma conduta em gestação subsequente). Os autores concluem que a metanálise ilustra um problema com desfechos raros, como mortalidade perinatal, destacando que nenhum estudo com amostra adequada foi ainda publicado, de forma que a metanálise da literatura pode não ser suficiente, e que a conduta mais adequada nas gestações que se estendem além de 41 semanas persiste por ser elucidada. Destacam que uma política liberal de indução poderia sobrecarregar as maternidades e que grandes ensaios clínicos precisam ser conduzidos com o poder de gerar conclusões satisfatórias (4).

Uma revisão sistemática publicada em 2011 incluiu 14 ensaios clínicos randomizados (4). A metanálise sugeriu que a indução eletiva do parto a partir de 41 semanas se associa com redução do risco de morte perinatal (RR=0,31; IC 95%=0,11-0,88) comparada com a conduta expectante, porém não houve redução do risco de morte fetal (RR=0,29; IC 95%=0,06-1,38). Todos os ensaios clínicos incluídos nessa revisão foram pequenos com um número de desfechos adversos bastante baixo tanto no grupo da intervenção como no controle. A prática de indução do parto também se associou com redução do risco de síndrome de aspiração meconial (RR=0,43; IC 95%=0,23-0,79) e de macrossomia (RR=0,72; IC 95%=0,54-0,98). Os autores sugerem que a indução do parto parece ser uma forma efetiva de reduzir a morbidade e a mortalidade perinatal em gestações pós-termo, devendo ser oferecida às mulheres com idade gestacional a partir de 41 semanas, depois de se discutir os benefícios e riscos da indução do parto.

 Na revisão sistemática disponível na Biblioteca Cochrane, atualizada em 2012, foram incluídos 22 ensaios clínicos randomizados e 9383 mulheres submetidas à indução do parto (conduta ativa) ou expectação com monitoração da vitalidade fetal (em geral cardiotocografia e avaliação do líquido amniótico) (1). A maioria dos estudos (n=17) incluiu gestantes com 41 semanas (n=4) ou mais (n=13), embora alguns tenham incluído gestações a partir do termo (entre 37 e 39 semanas). No grupo submetido à indução do parto verificou-se redução significativa do risco relativo de morte perinatal (RR=0,31; IC 95%= 0,12-0,81), embora o risco absoluto tenha sido baixo, com uma taxa de morte perinatal de 0,03% na conduta ativa e 0,35% no grupo da conduta expectante. O risco de cesariana também foi significativamente menor com a conduta ativa, porém essa diferença não foi de grande magnitude (RR= 0,89; IC 95%=0,81 - 0,97), com taxas de cesariana de respectivamente 16,3% e 19,3%. Não houve diferença na taxa de natimortos ou de morte neonatal nos dois grupos. A incidência de síndrome de aspiração meconial foi menor no grupo submetido à indução do parto (RR=0,50; IC 95%=0,34-0,73), porém não houve diferença na frequência de asfixia perinatal, baixos escores de Apgar e admissão em UTI neonatal. A média de peso ao nascer foi significativamente menor no grupo da conduta ativa, em torno de 58 gramas, com redução dos casos de macrossomia fetal (RR=0,73; IC 95%=0,64-0,84). O risco de parto instrumental foi marginalmente maior nos casos de indução do parto (RR=1,10; IC 95%=1,00-1,21), mas as taxas foram semelhantes (22% vs. 19%). Não houve diferença na frequência de hemorragia pós-parto.  

Na discussão dessa revisão sistemática da Cochrane, os autores destacam que o ponto de corte ideal para oferecer a indução do parto além do termo persiste por ser elucidado, porque tanto os ensaios clínicos randomizados incluídos utilizaram limites diferentes de idade gestacional como as diretrizes de sociedades divergem em estabelecer o ponto de corte, que em geral varia entre 41 e 42 semanas (1). Tanto o Canadá (6) como o Reino Unido (7) oferecem uma política de indução do parto a partir das 41 semanas, enquanto uma análise da Noruega indica que estabelecer o ponto de corte de 41 semanas para indução pode resultar em 240 induções por 1.000 gestações, contra 90 por 1.000 para o ponto de corte de 42 semanas e apenas quatro por 1000 com 43 semanas (8). Sugere-se que o número de induções necessárias para prevenir um caso de morte perinatal seja muito alto (9), porquanto seriam necessárias 416 induções com 41 semanas para prevenir um caso de morte perinatal. Todavia, a mulher que experimenta uma gravidez prolongada é certamente a pessoa mais indicada para avaliar o limite que lhe é mais satisfatório, existindo evidências de que  a maioria das mulheres incluídas em um ensaio clínico de indução vs. expectação a partir de 41 semanas escolheriam a indução entre 41 e 42 semanas em uma gestação ulterior (10).

Nessa revisão sistemática Cochrane, os autores sugerem que, dada a redução da morte perinatal observada na metanálise (apesar de o risco absoluto ser pequeno), sem aumento do risco de cesariana, a indução do parto deve ser oferecida às mulheres com idade gestacional entre 41 e 42 semanas, com informação sobre os riscos absolutos e relativos dos diferentes desfechos, reconhecendo-se que as preferências e expectativas das mulheres podem diferir. Se uma mulher escolhe esperar pelo início do trabalho de parto, é prudente realizar monitoração fetal, uma vez que os estudos epidemiológicos longitudinais sugerem risco aumentado de morte perinatal com o avançar da idade gestacional (1).

O American College of Obstetricians and Gynecologists em sua diretriz de 2004 não estabelece um ponto de corte definido para indução do parto (11), porém recomenda a monitoração fetal quando se vai realizar conduta expectante, apesar de o método ideal de monitoração não ter sido ainda estabelecido. A avaliação do líquido amniótico parece ser importante, porém o ponto de corte para definir oligo-hidrâmnio em gestações pós-termo não foi validado e tanto cardiotocografia como perfil biofísico fetal podem ser utilizados, embora a maioria dos protocolos proponha exclusivamente a associação da avaliação do líquido amniótico com a cardiotocografia, cuja periodicidade ideal também não foi definida (11).  Amnioscopia não é recomendada (12). Dopplervelocimetria não tem valor na gestação prolongada e não é recomendado para avaliação fetal nessa circunstância (11,13).

Cardiotocografia para avaliação da vitalidade fetal

Em nossa opinião, corroborada por outros autores (1,3, 9,14) as mulheres devem ser esclarecidas sobre riscos e benefícios associados com a indução do parto a partir de 41 semanas, e devem fazer suas escolhas depois da informação. Não há indicação de cesariana porque a gravidez ultrapassou 40 ou 41 semanas, mesmo com colo desfavorável, sendo que a controvérsia da literatura diz respeito apenas a expectar, aguardando o trabalho de parto espontâneo, ou realizar indução do parto. 

Algumas mulheres não querem ser submetidas a protocolos de indução do parto e irão ficar mais satisfeitas aguardando o trabalho de parto espontâneo, porque veem o parto como um processo fisiológico e desejam que este seja o mais natural possível; outras irão preferir uma indução, pelo receio de um risco relativo maior de morte perinatal e aspiração meconial (10). Esta é uma decisão que só a gestante pode tomar, e que deve ser considerada por todo mundo que escreve e pesquisa sobre gravidez prolongada. Na prática clínica diária, obstetras, enfermeiras-obstetras e obstetrizes devem esclarecer às mulheres sobre riscos e benefícios envolvendo a decisão (9, 14), programando estratégias de monitorização do bem estar fetal quando se opta por conduta expectante. Essa monitorização está indicada devido ao aumento do risco de morte fetal na medida em que a gravidez se estende além de 41 semanas (1). 

Na conduta expectante, a maioria dos autores sugere avaliar o líquido amniótico através da medida do maior bolsão, considerando-se oligo-hidrâmnio um valor menor que 2cm (15-18) e realizar cardiotocografia duas a três vezes por semana (17, 18). Não há vantagem em se realizar perfil biofísico fetal (16). Dopplervelocimetria não tem papel na monitoração da gravidez prolongada (11, 16). Deve-se estar alerta para o fato de que todos os testes adotados podem ter resultados falsos positivos com o potencial de acarretar intervenções desnecessárias (13).
 Descolamento de membranas
O descolamento de membranas pode ser oferecido para mulheres com 41 semanas ou mais de idade gestacional (19), reduzindo em torno de 40% a necessidade de indução quando realizado com 41 semanas e em 72% quando realizado com 42 semanas. Esse procedimento, no entanto, não pode ser imposto às pacientes, porque causa desconforto e traz inconvenientes, como contrações irregulares, pródromos prolongados, dor e sangramento. 

O exato ponto de corte de idade gestacional para indicar indução do parto ainda não foi estabelecido, devendo-se individualizar os casos de acordo com as características e expectativas das gestantes. Recomenda-se prestar todo o esclarecimento, respondendo a eventuais dúvidas, e as gestantes devem assinar termo de consentimento quer prefiram aguardar o trabalho de parto quer decidam pela indução. No termo de consentimento devem constar vantagens e desvantagens de cada opção, incluindo as possíveis complicações da indução, como taquissistolia, frequência cardíaca fetal não tranquilizadora e síndrome de hiperestimulação uterina.
Preparo cervical com sonda para indução do parto
Os métodos para indução mais utilizados são sonda de Foley, ocitocina, prostaglandina (PGE2) e misoprostol (21). A sonda de Foley pode ser utilizada em pacientes com cesárea anterior e colo desfavorável, não aumentando o risco de hiperestimulação. Ocitocina está indicada se o colo é favorável (escore de Bishop maior ou igual a seis). Prostaglandina E2 e misoprostol podem ser utilizadas quando o colo é desfavorável, porém o misoprostol é contraindicado em mulheres com cesariana anterior. Misoprostol oferece vantagens em termos de custo, facilidade de uso, estocagem, efetividade e administração, podendo ser usado tanto por via oral como vaginal (21-24). Monitoração rigorosa da vitalidade fetal intraparto também deve ser realizada, independente se o trabalho de parto foi espontâneo ou induzido (9, 13, 21).

Ingrid durante o trabalho de parto (42 semanas e 1 dia)
                                                   Serena, nascida com 42 semanas e 1 dia  

Devemos destacar, outrossim, que todos os esforços devem ser feitos para datar corretamente a gestação e evitar a interrupção eletiva antes do termo. Uma das consequências da política de interromper sistematicamente as gestações que ultrapassam 40 semanas tem sido o aumento das taxas de prematuros tardios (bebês que nascem entre 34 e 36 semanas) ou "termo precoces" (entre 37 e 38 semanas, aumentando a morbidade neonatal (25). Esses bebês apresentam risco aumentado de complicações no período neonatal, dentre os quais se destacam os distúrbios respiratórios e a icterícia (26,27).

Melania, nascida com 43 semanas e 2 dias, nos braços de Léa e Amorim (1967)


Referências

1. Gülmezoglu A Metin, Crowther Caroline A, Middleton Philippa, Heatley Emer. Induction of labour for improving birth outcomes for women at or beyond term. Cochrane Database of Systematic Reviews. In: The Cochrane Library, Issue 07, Art. No. CD004945. DOI: 10.1002/14651858.CD004945.pub4

2.Sanchez-Ramos L, Olivier F, Delke I, Kaunitz AM. Labor induction versus expectantmanagement for postterm pregnancies: a systematic review with meta-analysis. Obstet Gynecol. 2003;101:1312-8.

3. Wennerholm UB, Hagberg H, Brorsson B, Bergh C. Induction of labor versus expectant management for post-date pregnancy: is there sufficient evidence for a change in clinical practice? Acta Obstet Gynecol Scand. 2009;88(1):6-17. 

4. Hussain AA, Yakoob MY, Imdad A, Bhutta ZA.Elective induction for pregnancies at or beyond 41 weeks of gestation and its impact on stillbirths: asystematic review with meta-analysisBMC Public Health. 2011 Apr 13;11 Suppl 3:S5.

5. Souza ASR, Amorim MMR, Porto AMF. Condições frequentemente associadas à cesariana sem respaldo científico.FEMINA. 2010; 38: 505-16.

6. Delaney M, Roggensack A. SOGC CLINICAL PRACTICE GUIDELINE. Guidelines for the Management of Pregnancy at 41+0 to 42+0 Weeks. J Obstet Gynaecol Can 2008;30:800–810.

7. National Collaborating Centre for Women’s and Children’s Health. Induction of Labour. 2008.

8. Heimstad R, Romundstad PR, Salvesen KA. Induction of labour for post-term pregnancy and risk estimates for intrauterine and perinatal death. Acta Obstetricia et Gynecologica 2008;87:247-9.

9. Mandruzzato G, Alfirevic Z, Chervenak F, Gruenebaum A, Heimstad R, Heinonen S. Guidelines for the management of postterm pregnancy. Journal of Perinatal Medicine 2010;38:111-9.

10. Heimstad R, Romundstad PR, Hyett J, Mattsson LA, Salvesen KA. Women's experiences and attitudes towards expectant management and induction of labor for post-term pregnancy. Acta Obstetricia et Gynecologica 2007;86:950-6.

11. ACOG Practice Bulletin. Clinical management guidelines for obstetricians-gynecologists. Number 55, September 2004. Management of Postterm Pregnancy. 2004;104:639-46.

12. Debord MP. Place du compte des mouvements actifs fœtaux et de l’amnioscopie dans la surveillance des grossesses prolongées. J Gynecol Obstet Biol Reprod (Paris). 2011 Dec;40:767-73.

13.Divon MY, Feldman-Leidner N. Postdates and antenatal testing. Semin Perinatol. 2008. 32: 295-300.

14.  Sentilhes L, Bouet PE, Mezzadri M, Combaud V, Madzou S, Biquard F, Gillard P, Descamps P.Évaluation de la balance bénéfice/risque selon l’âge gestationnel pour induire la naissance en cas de grossesse prolongée. J Gynecol Obstet Biol Reprod (Paris). 2011; 40: 747-66.

15. Nabhan Ashraf F, Abdelmoula Yaser A. Amniotic fluid index versus single deepest vertical pocket as a screening test for preventing adverse pregnancy outcome. Cochrane Database of Systematic Reviews. In: The Cochrane Library, Issue 07, Art. No. CD006593. DOI: 10.1002/14651858.CD006593.pub3

16.Sénat MV. Place de l’évaluation de la quantité de liquide amniotique, du score biophysique et du doppler dans la surveillance des grossesses prolongées. J Gynecol Obstet Biol Reprod (Paris). 2011;40: 785-95. 

17. Coatleven S. Place du rythme cardiaque fœtal et de son analyse informatisée dans la surveillance de la grossesse prolongée. J Gynecol Obstet Biol Reprod (Paris).2011; 40: 774-84.

18. Haumonté JB, d`Ercole C.  Grossesses prolongées (termes dépassés): à partir de quand doit-on surveiller et à quelle fréquence ? J Gynecol Obstet Biol Reprod (Paris).  2011; 40: 734-46.

19. Boulvain Michel, Stan Catalin M, Irion Olivier. Membrane sweeping for induction of labour. Cochrane Database of Systematic Reviews. In: The Cochrane Library, Issue 07, Art. No. CD000451. DOI: 10.1002/14651858.CD000451.pub4

20. Caughey AB, Snegovskikh VV, Norwitz ER. Postterm pregnancy: how can we improve outcomes? Obstet Gynecol Surv. 2008; 63: 715-24.

21. Winer N. Modalités du déclenchement dans les grossesses prolongéesJ Gynecol Obstet Biol Reprod (Paris). 2011 Dec;40(8):796-811.

22.Hofmeyr G Justus, Gülmezoglu A Metin, Pileggi Cynthia. Vaginal misoprostol for cervical ripening and induction of labour. Cochrane Database of Systematic Reviews. In: The Cochrane Library, Issue 07, Art. No. CD000941. DOI: 10.1002/14651858.CD000941.pub1

23. Alfirevic Zarko, Weeks Andrew. Oral misoprostol for induction of labour. Cochrane Database of Systematic Reviews. In: The Cochrane Library,Issue 07, Art. No. CD001338. DOI: 10.1002/14651858.CD001338.pub4

24. World Health Organization. WHO recommendations for Induction of labour. Geneva, Switzerland, 2011.

25. Engle WA, Kominiarek MA. Late Preterm Infants, Early Term Infants, and Timing of Elective Deliveries. Clin Perinatol. 2008; 35: 325–341.

26. Whyte RK. Neonatal management and safe discharge of late and moderate preterm infantsSemin Fetal Neonatal Med. 2012;17: 153-8.

27. Ghartey K, Coletta J, Lizarraga L, Murphy E, Ananth CV, Gyamfi-Bannerman C. Neonatal respiratory morbidity in the early term delivery. Am J Obstet Gynecol. 2012 Jul 20. [Epub ahead of print]

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Agradeço a Carla Polido, Ana Cristina Duarte, Gabriela Hugues, Maíra Libertad, Leila Katz, Ingrid Lotfi e Roxana Knobel pela profícua discussão sobre gravidez prolongada no Facebook que me levou a tentar sumariar o corrente "estado da arte" sobre o tema... e a refletir sob o assunto sob a óptica da mulher!

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Elas pedem ajuda, não cesárea!

Especialmente aos profissionais da assistência ao parto, entendam de uma vez por todas, porque um pedido de cesárea muitas vezes é um pedido de ajuda.
Uma história de parto normal após 2 cesáreas, e hospital que tem mais de 98% de cesáreas! 
Por Bráulio Zorzella, Obstetra em Jaú
Ela chegou gritando e esperneando como se estivesse sendo torturada… A conheci hoje, no plantão de retaguarda da maternidade que tem 98% de cesáreas pelo SUS, restanto os 2% de Parto Normal dos dias que estou de plantão, isso mesmo
que ouviram 98% de cesáreas pelo SUS!
Ela com 23 anos, terceira gestação, 2 cesáreas anteriores, 38 semanas, bolsa rota e 5cm de dilatação, colo finíssimo, apresentação baixa. A mãe chorando e as duas juntas pedindo “PELO AMOR DE DEU DOUTOR, FAÇA UMA CESÁREA”. Sentei ao seu lado no pré-parto, apaguei as luzes, pedi pra enfermagem sair (nesse hospital elas não tem a mínima prática com PN). Entre as contrações ela acalmou-se porém durante elas virava bicho e não ouvia nada, se contorcendo e gritando que o médico do pré-natal falou que ela não podia ter parto normal de jeito nenhum pois no caso dela era impossível! Perguntei se ela já quis algum dia ter PN e ela disse que sempre quis mas os médicos sempre falaram que ela não podia. No primeiro bacia estreita, no segundo não dilatou e agora pois já tinha 2 cesáreas.
Insisti mais um pouco em tentar acalmá-la e explicar os possíveis benefícios do bebê nascer natural, mas foi em vão naquele momento. A enfermagem e a pediatra me olhando com olhos de “oque vc está esperando pra chamar o anestesista pra cesárea?”. Falei em voz baixa PARA O BEBÊ NÃO OUVIR: “Liga pro anestesista e diga que teremos uma cesárea!” Percebi que contentei a todos nesse momento. A paciente, a mãe, a enfermagem e a pediatra. Chegou o anestesista que não viria para uma analgesia de parto se eu chamasse, mas… pedi que fizesse uma dose menor apenas para tirar a dor mas que não seria cesárea!
Todos se assustaram…”Como assim? Com 2 cesáreas anteriores? Aquele olhar de “ele deve estar louco!”. Anestesia feita, a dor passa, suficiente pra EU CONSEGUIR CONVERSAR COM ELA: “E agora, está bom pra vc assim? A dor melhorou? Seu problema está resolvido? Vamos resolver o do bebê agora. O bebê está super bem, e me disse que está querendo muito nascer de parto normal. Ele não sabe ainda que vai ser cesárea. Ele está na posição e quase saindo e vc tem a passagem ótima pra ele, vamos tentar ou se preferir ainda posso fazer a cesárea”. Ela me olhou, arregalou os olhos ao mesmo tempo que veio um puxo e começou a fazer força…Ela sorriu e percebeu que podia… Fez mais força e se empolgou! Na terceira ele nasceu perfeito e com nota 10 do pediatra. Foi ao colo da mãe que o beijou muito dizendo: Sempre me falaram que eu não ia conseguir! Não acredito que consegui fazer isso!… Caros cesaristas de plantão: elas pedem ajuda e não cesárea!!”
Com a colaboração da querida obstetra Carla Polido de São Carlos,  seguem links para os resumos dos artigos:
“A grande diferença nas taxas de cesarianas no país é devida a um grande número de cesarianas indesejadas na saúde suplementar”. Potter et al., BJOG, dez 2001
“Médicos no Brasil interpretaram algumas declarações de mulheres em trabalho de parto, como dor ou longa duração do processo, como solicitações de cesariana.” Potter, Faúndes et al, 2008, BIRTH

domingo, 15 de junho de 2014

A retomada do protagonismo feminino no parto

Por: Graziela Wolfart


Ao buscar uma justificativa ao preconceito com o parto natural e humanizado por parte da maioria dos médicos na sociedade brasileira, a obstetra Melania Amorim reconhece que “realmente é muito mais fácil e conveniente programar cesarianas eletivas em data e hora agendadas para não interferir com outros compromissos do médico, livrando-os de atender partos na madrugada, em feriados e finais de semana. Mas essa é uma característica do nosso modelo de atenção ao parto, excessivamente medicalocêntrico e hospitalocêntrico”. Para ela, na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line, “o retorno do incentivo ao parto normal se traduz dentro de uma perspectiva ecológica e sustentável como a única via possível para o futuro da atenção obstétrica. O modelo atual está falido, aqui no Brasil mesmo nos deparamos com o chamado ‘paradoxo perinatal brasileiro’, ou seja, excesso de intervenções e taxas excessivamente elevadas de cesarianas a par de elevada mortalidade materna e perinatal. O resgate do parto como evento fisiológico e a construção de um novo paradigma de assistência centrado na mulher irá proporcionar certamente a solução para esse paradoxo”.

Melania Amorim, MD, Ph.D, é médica-obstetra, professora de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, professora da Pós-Graduação em Saúde Materno-Infantil do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP – Recife/PE), pesquisadora associada da Biblioteca Cochrane, bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq e Coordenadora do Núcleo de Parteria Urbana (NuPar) da Rede pela Humanização do Nascimento (ReHuNa). É graduada em Medicina pela Universidade Federal da Paraíba, mestre em Saúde Materno Infantil pelo Instituto Materno Infantil de Pernambuco e doutora em Tocoginecologia pela Universidade Estadual de Campinas.

Confira a entrevista. 

IHU On-Line – A partir da sua experiência, o que significa um parto, um nascimento natural e humanizado?
Melania Amorim – Parto humanizado é essencialmente aquele parto centrado na mulher, com respeito à autonomia e ao protagonismo feminino. Parto natural é o parto que acontece sem intervenções, como ocitocina , analgesia, fórceps . É possível se ter um parto humanizado não inteiramente natural, porque algumas intervenções podem ser necessárias. Por isso o fundamental é essa retomada do protagonismo feminino no parto. 

IHU On-Line – Como o tema do parto humanizado aparece no ensino universitário de Medicina?
Melania Amorim – Infelizmente, na maioria das faculdades o parto ainda é ensinado somente do ponto de vista de seu mecanismo e estudo clínico, com pouca ênfase na fisiologia e, sobretudo, na assistência humanizada a esse evento que jamais pode ser concebido/interpretado somente sob a luz da biologia. Há múltiplas dimensões, biopsicossociais e espirituais, que precisam ser contempladas.

IHU On-Line – Podemos identificar um preconceito em relação ao parto natural por parte dos médicos em geral? Por que apenas uma pequena parcela de obstetras defende o parto natural/humanizado?
Melania Amorim – Há um preconceito, sim, que vem desde a formação médica, centrada no patológico, até questões práticas do atendimento de rotina, uma vez que a assistência ao parto natural/humanizado demanda várias horas, e muitos obstetras, atrelados a convênios ou planos de saúde que pagam valores muito baixos pela assistência ao parto, acabam preferindo realizar cesarianas eletivas sob pretextos pouco ou nada científicos, como as famigeradas circulares de cordão. Além do mais, nos programas de Residência Médica, em sua grande parte, os residentes não são treinados para atender ao fisiológico, a partos naturais, e acabam tendo uma formação mais cirúrgica, sem familiaridade com o parto humanizado. Realmente é muito mais fácil e conveniente programar cesarianas eletivas em data e hora agendadas para não interferir com outros compromissos do médico, livrando-os de atender partos na madrugada, em feriados e finais de semana. Mas essa é uma característica do nosso modelo de atenção ao parto, excessivamente medicalocêntrico e hospitalocêntrico. Em países em que há a participação de outros profissionais como enfermeiras-obstetras e obstetrizes, isso não ocorre, porque os partos de baixo risco ficam sob a responsabilidade desses profissionais, reservando-se a intervenção médica para os casos de alto risco.

IHU On-Line – Como médica e como mulher, qual sua opinião sobre o parto domiciliar?
Melania Amorim – Como mulher, acho extremamente atraente a ideia de um parto no conforto e na privacidade do domicílio, sabendo que em seu lar a mulher é a dona e ela toma, verdadeiramente, as rédeas do processo. Como médica, eu estudo e interpreto as evidências científicas que reforçam os benefícios e a segurança do parto domiciliar. Há diversos estudos demonstrando que partos domiciliares têm importantes vantagens maternas, reduzindo o risco de intervenções como uso de ocitocina, episiotomia, analgesia, cesariana, se associam com menor chance de infecção e com elevado grau de satisfação materna. Por outro lado, não se documenta aumento do risco materno e perinatal. No último grande estudo holandês envolvendo quase 680.000 partos (van der Kooy, 2011 ) se demonstrou mortalidade perinatal semelhante entre partos domiciliares planejados e hospitalares, respectivamente 0,15% e 0,18%.

IHU On-Line – Como a senhora caracteriza a tendência da “medicina baseada em evidências científicas” e como isso se aplica ao parto humanizado?
Melania Amorim – Medicina Baseada em Evidências é um paradigma que vem se consolidando nos últimos 20 anos, e consiste na integração das melhores evidências científicas correntemente disponíveis com a experiência clínica individual e com as características e expectativas dos pacientes. Em termos de assistência humanizada ao parto, nós dispomos, há algum tempo, de dezenas de recomendações baseadas em evidências corroborando os benefícios de práticas diversas, como dieta livre durante o trabalho de parto, possibilidade de deambulação e liberdade de posição, suporte contínuo intraparto com ênfase no papel das doulas, uso de métodos não farmacológicos para alívio da dor do parto, incentivo às posições não supina (ou seja, verticais/laterais/de quatro apoios) durante o período expulsivo, não realização de episiotomia (corte no períneo) de rotina, evitar puxos dirigidos (ou seja, não ficar orientando a mulher sobre quando e como fazer força) e não realizar manobra de Kristeller (pressão no fundo do útero). Existem claras evidências de que essas práticas se traduzem por melhores desfechos maternos e perinatais. Também em relação ao nascimento, as evidências reforçam pontos importantes, como a ligadura tardia do cordão, o contato precoce pele a pele de mãe e bebê e a amamentação na sala de parto. Mais ainda, as evidências demonstram que o parto de baixo risco pode e deve ser assistido por profissionais não médicos, como enfermeiras-obstetras e obstetrizes, treinadas para atender e respeitar a fisiologia, e que um modelo de atenção obstétrica promovido por obstetrizes se associa com melhores resultados do que um modelo centrado no médico.

IHU On-Line – Como entender a transformação da cultura do parto atualmente, se percebermos um retorno ao incentivo ao parto normal? O que isso representa do ponto de vista de um novo olhar da sociedade sobre a mulher e sobre a medicina?
Melania Amorim – O retorno do incentivo ao parto normal se traduz dentro de uma perspectiva ecológica e sustentável como a única via possível para o futuro da atenção obstétrica. O modelo atual está falido. Aqui no Brasil mesmo nos deparamos com o chamado “paradoxo perinatal brasileiro”, ou seja, excesso de intervenções e taxas excessivamente elevadas de cesarianas a par de elevada mortalidade materna e perinatal. O resgate do parto como evento fisiológico e a construção de um novo paradigma de assistência centrado na mulher irá proporcionar certamente a solução para esse paradoxo.

IHU On-Line – Como você define a experiência do nascimento de um bebê? Que diferenças citaria aqui entre o nascimento por cesárea ou parto normal/natural/humanizado?
Melania Amorim – Uma cesariana pode ser necessária durante a assistência ao parto, e em algumas ocasiões ela é salvadora. O que nós nos posicionamos contra é a cesariana eletiva sem indicação médica definida, retirando-se um bebê que ainda não “sinalizou” estar pronto para nascer. Diversos são os benefícios do parto normal para o bebê, a começar pelo “coquetel hormonal” que ele recebe, de hormônios produzidos pelo organismo materno, como ocitocina e endorfinas. Bebês nascidos de parto normal também têm menor chance de apresentar desconforto respiratório, uma vez que a passagem pelo canal de parto elimina o excesso de líquido nos pulmões, e têm maior chance de ficar em contato precoce pele a pele e ter a oportunidade de mamar logo depois do nascimento. Além disso, a cesariana eletiva pode ocasionalmente levar ao nascimento prematuro sem uma justificativa, por erro de datação da idade gestacional, e é por isso que em muitos hospitais uma proporção relativamente elevada desses bebês ficam internados em UTI para tratamento do desconforto respiratório. O nascimento por parto normal representa uma oportunidade única e intraduzível para o estabelecimento imediato do vínculo mãe/bebê, com maior segurança do ponto de vista dos desfechos neonatais.

IHU On-Line – Gostaria de acrescentar mais algum comentário?
Melania Amorim – O debate em torno do parto domiciliar não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, tem se tornado extremamente polarizado e politizado, de forma que nós não esperamos resolver tão cedo essa polêmica. Nossa intenção é promover ampla discussão com toda a sociedade, tentando estabelecer um consenso, visando a garantir o respeito a um direito reprodutivo básico, qual seja, a escolha do local de parto, mas também a implementar estratégias para aumentar a segurança e a satisfação das usuárias em todos os partos. Isso inclui tanto melhorar e humanizar a atenção hospitalar, no sentido de que os partos assistidos em maternidades ou centros de parto normal possam representar uma experiência gratificante para as mulheres, como estabelecer diretrizes para a seleção adequada das candidatas ao parto domiciliar e um atendimento obstétrico seguro e de qualidade em domicílio.

Link original: http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4513&secao=396
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A Saúde Baseada em Evidências é uma abordagem que utiliza as ferramentas da Epidemiologia Clínica; da Estatística; da Metodologia Científica; e da Informática para trabalhar a pesquisa; o conhecimento; e a atuação em Saúde, com o objetivo de oferecer a melhor informação disponível para a tomada de decisão nesse campo. 


A prática da Medicina Baseada em Evidências busca promover a integração da experiência clínica às melhores evidências disponíveis, considerando a segurança nas intervenções e a ética na totalidade das ações. 


Saúde Baseada em Evidências é a arte de avaliar e reduzir a incerteza na tomada de decisão em Saúde.


Fonte: http://www.centrocochranedobrasil.org.br/cms/index.php?option=com_content&view=article&id=4&Itemid=13

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Um bebê saudável não é o bastante

Um bebê saudável não é o bastante. Por que tantas mulheres aceitam indicações esdrúxulas de cesárea, agendam cirurgias desnecessárias, abandonam o sonho de parir e passam a contribuir para a vergonhosa estatística de nascimentos cirúrgicos do nosso país?
Sei que as respostas são tão variáveis quanto as pessoas que se depararam com essa escolha. Cada mulher tem a sua história, seus medos e suas motivações. Mas, como antropóloga, acredito que a cultura pró-cesárea pesa muito forte nessa hora. Afinal, se todas estão fazendo, não pode ser tão ruim (algumas até dizem que “parto normal é anormal, normal é a cesárea”). Optar pela cesárea, no nosso Brasil atual, representa um alívio. Significa não precisar mais nadar contra a maré, peitar Deus e o mundo, ser chamada de louca ou taxada de masoquista (“pra quê sofrer??”). Nessa nossa cultura de valores invertidos (onde o que importa é o produto e as aparências, não as pessoas e seus desejos) e machistas (em que a vagina ou é “assassina” ou é “o parquinho do marido”), submeter-se à cesárea é “pensar no bebê” e “insistir” no parto normal é egoísta.
Pois eu não concordo. Não mesmo. Primeiro porque, apesar das crendices e dos mitos de cordões assassinos e vaginas deformadoras de crânio, a ciência diz categoricamente que a via vaginal é a melhor via de nascimento para um bebê salvo em raríssimos casos. E segundo porque eu não acredito que o parto se resume ao nascimento de um bebê – ou melhor, à extração desse produto bebê do corpo (traiçoeiro, descontrolável, perigoso) de sua mãe. O parto é da mulher, do bebê e da família e merece ser vivido de forma plena, crua e totalmente personalizada (e não por isso menos segura e prazerosa), por essa família. Quando o parto se torna “um mal necessário” para conseguir “um bebê saudável” – como ocorre na nossa cultura – todos saem perdendo.
Eis que essa semana li um texto publicado no site da organização Improving Birth, cuja missão é promover o cuidado baseado em evidências e a humanização do parto e nascimento, que caiu como uma luva, e quero agora compartilhá-lo com vocês. Escrito pela Cristen Pascucci, vice-presidente da organização Improving Birth e especialista em política e comunicação, o original pode ser encontrado no seguinte link e a tradução segue abaixo. Espero que gostem do texto tanto quanto eu*."
*Clarissa, de "a mãe que eu quero ser" antropóloga de formação, editora de livros de profissão, feminista de coração e ativista da maternidade consciente por vocação. 

Um bebê saudável não é tudo o que importa

por Cristen Pascucci


Ouvimos toda hora que “um bebê saudável é tudo o que importa”. Isso simplesmente não é verdade – especialmente quando, com mais frequência do que deveria, o que queremos dizer é que, tanto para mães quanto para seus bebês, basta “sobreviver ao parto”. Isso não chega nem perto de ser bom o bastante.
A verdade é que hoje, aqui e agora, o padrão não só pode como deve ser mais alto: um bebê saudável, uma mãe saudável e uma experiência positiva e respeitosa para todos, centrada na família.
Por que isso é tão importante? Porque o que nós esquecemos quando o foco é meramente em “sobreviver” ao parto é que, para mães, dar à luz não representa só um dia entre muitos dias de suas vidas. Para a grande maioria de nós, o parto não se resume à extração de um feto de nossos úteros da maneira mais eficiente possível.
O parto é uma experiência marcante, que fica gravada na memória para sempre. Pergunte à maioria das mães como foi o seu parto e você vai ver e ouvir a emoção vir à tona enquanto compartilham suas histórias – histórias estas que, boas ou ruins, nós revivemos intensamente e com frequência, queiramos ou não. E não esqueçamos que nossas experiências podem ter consequências importantes, duradouras e permanentes para a nossa saúde. O parto afeta o puerpério (quem nunca ouviu falar nos baby blues, aquela melancolia pós-parto?), os relacionamentos com nossos bebês e nossas famílias, e nossas atitudes perante nós mesmas e os partos que teremos no futuro.
Para os bebês, trata-se de sua primeira impressão do mundo e daqueles que serão seus principais cuidadores. Estamos comunicando aos nossos bebês desde o primeiro dia o que é o mundo, se é ameaçador ou seguro, e como nos relacionamos com esse mundo. Essa relação não poderia ser muito melhor se adentrássemos a maternidade fortalecidas pelo parto, confiantes e apoiadas?
É claro que no mundo real o parto não segue o padrão de um livro texto; complicações, mudanças de planos e desfechos indesejados acontecem. Mas mesmo nesses casos, uma mulher ainda pode ser respeitada e apoiada. Talvez não sejamos capazes de controlar a natureza, mas podemos sim controlar como tratamos as mulheres durante o trabalho de parto e nascimento. Até quando acontece o pior (especialmente quando acontece o pior!), não há nenhuma desculpa para um tratamento que não demonstre o máximo de respeito, deferência e compaixão pela parturiente enquanto ela faz suas escolhas.
Porque o que é mais curioso sobre a frase de “bebê saudável” é que, com tanta frequência, ela é empregada para justificar uma experiência decepcionante, difícil ou traumática. É dita por nossos médicos, nossos amigos e nossos parentes enquanto ainda não nos recuperamos do choque do que acabou de acontecer: enquanto tentamos entender uma experiência que fugiu, inesperadamente, ao nosso controle. E sim, também dizemos a frase para nós mesmas.
Então qual é a peça chave para um novo padrão? Somos nós! São as mulheres cujo dinheiro alimenta a indústria que nos provê desses serviços e cuidados. Embora muitas não tenham se tocado disso, somos nós que estamos com a faca e o queijo na mão. Imagine o que aconteceria se nós, milhões de mães e pais e seus amigos, de fato tomássemos para nós esse poder e fizéssemos uso dele.
Podemos começar pela educação, nos informando sobre o que seria um cuidado digno – respeitoso, baseado em evidências – e daí passando a buscar esse cuidado com consciência crítica quando conversamos com potenciais médicos. Podemos ficar atentos aos sinais de alerta – coisas como ouvir do médico que “não será permitido” ou que você “não pode” fazer tal coisa – e parar de ignorar nossos instintos! Na minha opinião, escutar uma frase como “um bebê saudável é a única coisa que importa” se encaixa nessa categoria. Essa frase me diz, “o que quer que aconteça na sala de parto/centro cirúrgico, você não terá o direito de reclamar. Se nós lhe entregarmos um bebê vivo, fizemos o nosso trabalho.”
Por fim, e talvez o que é mais importante, podemos exercer o nosso poder abandonando aqueles médicos que não nos oferecem bebês saudáveis, mães saudáveis e uma experiência positiva, respeitosa e centrada na família.
Para mães e bebês, sobreviver ao parto não é o bastante. É só o ponto de partida.

“Pelo menos você tem um bebê saudável”,