Texto de Ticiane Figueiredo, original em Blogueiras Feministas
É muito simples, basta ir a qualquer farmácia munida de uma receita médica e comprá-lo. Ou nem isso, com uma receita específica, você pode adquiri-lo gratuitamente no SUS.
Ambas alternativas são, de certa forma, cômodas. Talvez seu único protesto se resuma ao preço que irá pagar ou a fila que irá pegar para enfim ter seu remédio. Toda a história por trás do anticoncepcional ou toda a luta de “certas mulheres” não fazem diferença para você porque hoje você o tem, hoje você pode tê-lo. Você pode decidir se quer usá-lo ou não. A escolha é sua e de ninguém mais. E eu fico feliz por você, por poder decidir, mas infelizmente não foi sempre assim e por mais que você ignore os fatos e não se importe com as conquistas feministas, você não vive em um presente contínuo, houve um passado. Um passado de lutas.
O uso do anticoncepcional, às vezes recomendado por ginecologistas para controle hormonal, está diretamente ligado à sexualidade da mulher. Está sobretudo ligado a uma escolha: “ser ou não ser mãe?”.
Por muito tempo, e ainda hoje, infelizmente, a liberdade sexual da mulher sempre foi limitada, isto é, quando existia alguma. Seja pelo fato do próprio sexo ter sido por muito tempo um tabu, ou devido ao papel imposto pelo patriarcado à Mulher, essa era uma das coisas das quais ela era privada: o prazer carnal. Não bastasse a pressão social e religiosa, havia ainda outra problemática: a mulher engravidava. E diferentemente do que muitos pensam, a maternidade é uma escolha e não uma conseqüência de ser/nascer mulher. Logo, o anticoncepcional, assim como outros métodos contraceptivos, foram um marco para a autonomia da mulher sobre o seu próprio corpo e seus próprios desejos. Nós também gostamos de sexo, afinal.
Foi aproximadamente na década de 60, marcada pela entrada em massa das mulheres nas universidades e a grande difusão da liberdade sexual, que a feminista Margaret Sanger procurou o então biólogo Gregory Goodwin Pincus com a idéia de criar um remédio que pudesse dar às mulheres o poder e a autonomia sobre seu corpo, ou seja, ter ou não filhos. Pincus acatou a ideia e seguiu com a pesquisa às escondidas, pois o uso de contraceptivos ainda era tido como ilegal na época. Anos depois a primeira pílula surgiu, e apesar de muita relutância da igreja e da própria sociedade, foi legalizada.
Mas que pílula mágica era essa, afinal? Como substâncias sintéticas que inibiam a ovulação podiam dar às mulheres o poder de decidir quando ter filhos e quantos ter? Simples, o anticoncepcional não era só um contraceptivo, era uma ideia. Uma ideia estranha de que as mulheres podiam ter autonomia sobre o seu próprio corpo. Um corpo que não era nem do Estado, nem da Igreja, nem do marido, mas sim delas. E elas agora podiam usar e abusar dele com mais liberdade graças às lutas feministas pela difusão e legalização do referido método.
Hoje a luta continua. O direito ao uso do anticoncepcional é nosso. Meu, seu, de tod@s nós. Seja você feminista ou não. Mas infelizmente aquela idéia de autonomia sobre o próprio corpo ainda não é muito aceita pela “sociedade” patriarcal e machista. Essa idéia é uma das principais bandeiras do Feminismo. Sim, aquele feminismo-que-não-tinha-nada-a-ver-com-você, mas que conseguiu muitos dos direitos que você possui hoje. Ele mesmo.
Infelizmente, apesar de todo o seu peso em nossa emancipação sexual, a pílula apresenta alguns efeitos colaterais que estão sendo muito questionados. Afinal, é um hormônio sintético, aplicado ao seu corpo todo mês. Isso sem falar na grande polêmica que envolveu a pílula Diane 35 devido às mortes por trombose venosa. E é aí que aquele Feminismo-que-não-tinha-nada-a-ver-com-você surge novamente com um interessante questionamento: E a responsabilidade do homem?
Levantar esta questão é de suma importância porque, ao tomar a pílula e ao assumir os riscos – tanto relacionados à saúde quanto à gravidez – que essa decisão envolve, a mulher parece ser a única responsável pelas conseqüências que podem vir a surgir. Afinal, quem foi que esqueceu de tomar a pílula, não é mesmo? Parece muito simples endossar esse discurso, principalmente se estivermos diante de uma sociedade patriarcal e capitalista. Mas não é bem assim que funciona.
O homem é tão responsável quanto a mulher, seja com relação a tudo o que envolve uma vida sexual a dois — casual ou não —, seja com relação às atividades domésticas e laborais. Até porque, o ‘filho da mãe’, se nascer, é do pai também. E esse falso moralismo que condena a sexualidade da mulher e a enxerga como uma culpada por todas as pragas do mundo, não passa de um machismo e como tal, deve ser combatido!
Assim, todos os dias quando for tomar a sua sagrada pílula, ou injeção, lembre-se da nossa luta e se quiser, junte-se a ela. Afinal, se uma simples pílula conseguiu fazer uma revolução, imagine o que você não seria capaz de fazer!
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