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terça-feira, 26 de agosto de 2014

O Puerpério - Por Laura Gutman

(tradução livre de Flavia Penido)
Original em Bebedubem - Vila Mamífera

Vamos considerar o puerpério como o período que transita entre o nascimento do bebê e os dois primeiros anos, ainda que emocionalmente haja um progresso evidente entre o caos dos primeiros dias – em meio a um pranto desesperado- e a capacidade de sair ao mundo com um bebê nas costas.
Para tentarmos submergir nas difíceis trilhas energéticas, emocionais e psicológicas do puerpério, creio necessário reconsiderar a duração real deste trânsito. Refiro-me ao fato que os famosos 40 dias estipulados – já não sabemos por quem nem para que - tem a ver só com o histórico veto moral para salvar a parturiente do pedido (reclamo) sexual do varão. Mas esse tempo cronológico não significa psicologicamente um começo nem um final de nada.
Minha intenção – pela falta de um pensamento genuíno sobre o “si mesmo feminino” na situação de parto, lactação, criação e maternagem em geral- é desenvolver uma reflexão sobre o puerpério baseando-nos em situações que às vezes não são nem tanto física, nem visível, nem tão concreta, mas não por isso são menos reais. Vamos falar em definitivo do invisível, do submundo feminino, do oculto. Do que está mais além do nosso controle, mais além da razão para a mente lógica. Tentaremos nos aproximar da essência do lugar onde não há fronteiras, de onde começa o terreno do místico, do mistério, da inspiração e da superação do ego. Para falar do puerpério, teremos que inventar palavras, ou outorgá-las um significado transcendental.
Para nós, que já o temos transitado faz muito tempo, nos dá preguiça voltar a recordar esse lugar tão desprestigiado, com reminiscências à tristeza, sufoco e desencanto. Recordar o puerpério equivale frequentemente a reorganizar as imagens de um período confuso e sofrido, que engloba as fantasias, o parto tal como foi e não como havia querido que fosse, dores e solidões, angústias e desesperanças, o fim da inocência e o início de algo que dói trazer outra vez a nossa consciência. Para começar a armar o quebra-cabeça do puerpério é indispensável ter em conta que o ponto de partida é o parto, quer dizer, a primeira grande desestruturação emocional. Como descrevi no livro “Maternidade e o encontro com a própria sombra” para que se produza o parto necessitamos que o corpo físico da mãe se abra para deixar passar o corpo do bebê, permitindo uma certa “ruptura” corporal também se realiza em um plano mais sutil, que corresponde a nossa estrutura emocional. Há um algo que ''se quebra'', ou que se “desestrutura” para conseguir a passagem de “ser um a ser dois”.
É uma pena que atravessamos a maioria dos partos com muito pouca consciência com respeito a este “rompimento físico e emocional”. Já que o parto é sobretudo um corte, uma quebra, uma brecha, uma abertura forçada, igual à irrupção do vulcão (o parto) que geme desde as entranhas e que ao lançar suas partes profundas destroem necessariamente a aparente solidez, criando uma estrutura renovada.
Depois da “erupção do vulcão” nós as mulheres, encontramos com o tesouro escondido (um filho nos braços) e, além disso, com insólitas pedras que se desprendem como bolas de fogo (nossos “pedacinhos emocionais”, ou nossas partes mais desconhecidas) rodando em direção ao o infinito, ardendo em fogo e temendo destruir o que roçamos. Os “pedacinhos emocionais” vão queimando o que encontram a seu caminho. Olhamos atordoadas, sem poder crer a potência de tudo o que vibra em nosso interior. Incendiando e caindo no precipício, costumam manifestar-se no corpo do bebê (como uma planície de pasto úmido aberta e receptora). São nossas emoções ocultas que desdobram suas asas no corpo do bebe saudável e disponível.
Como um verdadeiro vulcão, nosso fogo roda por todos os vales receptores. É a sombra, expulsa do corpo.
Atravessar um parto é preparar-se para a erupção do vulcão interno, e essa experiência é tão avassaladora que requer muita preparação emocional, apoio, acompanhamento, amor, compreensão e coragem por parte da mulher e que de quem pretende assisti-la. Todavia poucas vezes nós as mulheres encontramos o acompanhamento necessário para introduzir-nos logo nessa ferida sangrenta, aproveitando esse momento como ponto de partida para conhecer nossas renovadas estrutura emocional (geralmente bastante maltratada, por certo) e decidir o que faremos com ela.
O fato é que - com consciência ou sem ela, acordadas ou dormindo, bem acompanhadas ou sós, incineradas ou a salvo - o nascimento se produz. Lamentavelmente hoje em dia consideramos o parto e o pós-parto como uma situação puramente corporal e de domínio médico. Submetemo-nos a um trâmite que com certa manipulação, anestesia para que a parturiente não seja um obstáculo, droga que permitem decidir quando e como programar a operação e uma equipe de profissionais que trabalham coordenados, possam tirar o bebê corporalmente são e felicitar-se pelo triunfo da ciência. Estas modalidades estão tão arraigadas em nossas sociedades que nós mulheres nem sequer nos questionamos se fomos atrizes de nossos partos ou meras expectadoras. Se foi um ato íntimo, vivido desde a mais profunda animalidade, ou se cumprimos com o que se esperava de nós. Se foi possível transpirar ao calor de nossas chamas ou se fomos retiradas da cena pessoal antes do tempo.
Na medida em que atravessamos situações essenciais de ruptura espiritual sem consciência, anestesiadas, dormidas, infantilizadas e assustadas… ficaremos sem ferramentas emocionais para rearmar nossos pedacinhos de chamas, permitindo que o parto seja uma verdadeira transição de alma. Frequentemente assim iniciamos o puerpério: afastadas de nós mesmas.
Anteriormente descrevíamos a metáfora do vulcão na chama, abrindo e rachando seu corpo, deixando a descoberto a lava e as pedras. Analogamente do ventre materno urge o bebê real, e também o interior desconhecido dessa mamãe, que aproveita o rompimento para correr pelas fendas que ficaram abertas. Esses aspectos ocultos encontram uma oportunidade para sair do refúgio. A sombra (quer dizer, qualquer aspecto vital que cada mulher não reconhece como próprio, a causa da dor, o desconhecimento ou o temor) utiliza a ruptura para sair de seu esconderijo e apresentar-se triunfante na superfície.
O problema para a mãe recente é que se encontra simultaneamente com o bebê real que chora, demanda, mama, se queixa e não dorme… e ao mesmo tempo com sua própria sombra (desconhecida por definição) , inabarcável e indefinível. Porém concretamente com que aspectos de sua sombra se encontram? Cada ser humano tem sua personalíssima historia e obstáculos a recorrer, portanto só um trabalho profundo de introspecção, busca pessoal, encontro com suas dores antigas e coragem poderá guiar-nos até o interior dessa mulher que sofre através da criança que chora.
O puerpério é uma abertura de alma. Um abismo. Uma iniciação. Se estivermos dispostas a submergir nas águas de nosso eu desconhecido.
Laura Gutman (tradução livre Flavia Penido)

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Encontro Gestar: contexto histórico do nascer

O nascer em diferentes culturas e contextos históricos: desconstruindo mitos e 'verdades'.

Próximo encontro Gestar, dia 21.08 às 19 horas.

"Numa sociedade construída com bases patriarcais ficou relegado às mulheres um papel de subalternidade.

Tal situação é decorrente das relações de gênero, que determinam de modo cultural (e não natural) uma distribuição desigual de poder entre os sexos.

Essa desigualdade reflete na forma como sentimos e pensamos o que é ser mulher, o que é ser mãe...

Muitos mitos foram construídos e transformados em verdades - que podem e devem ser desconstruídas.

Através da história (não a das verdades prontas, mas sim da reflexão e análise de diferentes contextos e culturas) é possível atingir um nível de consciência sobre os processos que nos constituíram e nosso lugar nessa sociedade!"

(Daniela Sbravati)

Mediação e construção de argumentos: Daniela Sbravati, doutoranda em história e Luisa Tombini Wittmann, doutora em história.

Encontro aberto e gratuito...

Esperamos por você!


domingo, 10 de agosto de 2014

Vamos celebrar a paternidade consciente e participativa!

Dia 10 de agosto: Feliz dia dos pais, dos cuidadores!!

Paternidade honesta, participativa e feminista


Paternidade honesta, participativa e feminista

Por Jarid Arraes, original em Revista Forum
Em uma cultura voltada para o consumo e que relaciona a compra de presentes com demonstração de afeto, uma data comemorativa e comercial como o Dia dos Pais não é um alvo frequente de debates e reflexões. Porém, indo além da óbvia crítica ao teor consumista da data, o Dia dos Pais pode ser uma oportunidade para que os homens reflitam sobre o que é ser um pai verdadeiramente responsável e cuidador, ultrapassando o papel clichê do “pai que ajuda”.
O “pai que ajuda” é bastante valorizado pela sociedade; é aquele pai que segura o bebê enquanto a mãe vai ao banheiro, que troca uma fralda ou mesmo que busca a criança na escola. Esses pais, que vão um pouco além do papel de provedor financeiro, são amplamente celebrados: “Meu marido é um ótimo pai, me ajuda com o bebê” é uma frase proferida com frequência, como se trocar a fralda de um bebê fosse uma atividade extremamente antinatural aos homens. Mas será que a paternidade se resume a essas tarefas tão ocasionais?
A paternidade não é nenhum fenômeno místico totalmente diferente da maternidade, simplesmente porque não há papéis exclusivos de um determinado gênero quando o assunto é educar e cuidar das crianças. Se responsabilizar por uma criança, educá-la, alimentá-la e providenciar-lhe saúde e afeto são responsabilidades sociais de qualquer pessoa humana que tenha filhos. Por isso, ter um filho e criá-lo com amor não é algo que as mulheres têm mais predisposição a fazer – e nem deve ser um privilégio exclusivo de casais heterossexuais. Na verdade, ter um filho e uma família não é e nem nunca foi uma exclusividade de casais, já que há tantas famílias com configurações diversas, por vezes chefiadas por tios ou avós, ou simplesmente compostas por outros parentes. Portanto, o homem que elege a mulher como mais apta a cuidar de uma criança não está sendo coerente com a realidade: trata-se somente de uma fuga de suas responsabilidades paternas devido a sua falta de empenho em ser participativo na vida dos filhos.
Ao contrário dos valores tão enraizados em nossa cultura, os homens não são insensíveis demais e nem possuem menos habilidade para cuidar de crianças. É certo que cada indivíduo, independente de seu gênero, possui mais facilidade para algumas tarefas do que para outras – algo que também é válido para as mães. Sob esse ponto de vista, o homem que tem um filho é absolutamente capaz de ser responsável por aquela vida. A presença paterna deve ir além das tarefas esporádicas e o pai pode e deve colocar seu filho para dormir, cozinhar seus alimentos, administrar remédios e levá-lo ao médico, mesmo que essas atividades não sejam prazerosas. Demonstrar amor com palavras, beijos e brincadeiras faz parte de uma paternidade responsável e comprometida, mas não é nem de longe suficiente para que a criança se sinta querida, importante e segura.
Além de tudo, a importância da paternidade está em seu enorme potencial de fazer a diferença no mundo, ainda tão calejado de tantos séculos marcados pelo machismo. O pai que participa, seja ele heterossexual ou não, casado ou não, é aquele que faz de seu exercício paterno uma oportunidade para estabelecer valores de igualdade, respeito e responsabilidade dividida entre todos aqueles que escolhem ter crianças em suas vidas. Esse é o pai que ensina, por meio de um exemplo diário e concreto, que homens e mulheres são equivalentes e livres. Pensando nas relações de gênero e em como os paradigmas do machismo são ensinados às crianças,  a equidade de gênero no ambiente familiar é muito mais do que dar uma simples ajudinha; um dia essas crianças se tornarão adultas e, durante esse processo, serão fortes reprodutoras dos valores feministas aprendidos, também, com seus pais.
Foto de capa: Pixabay

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

O que o seu anticoncepcional tem a ver com o meu feminismo?

Texto de Ticiane Figueiredo, original em Blogueiras Feministas

É muito simples, basta ir a qualquer farmácia munida de uma receita médica e comprá-lo. Ou nem isso, com uma receita específica, você pode adquiri-lo gratuitamente no SUS.
Ambas alternativas são, de certa forma, cômodas. Talvez seu único protesto se resuma ao preço que irá pagar ou a fila que irá pegar para enfim ter seu remédio. Toda a história por trás do anticoncepcional ou toda a luta de “certas mulheres” não fazem diferença para você porque hoje você o tem, hoje você pode tê-lo. Você pode decidir se quer usá-lo ou não. A escolha é sua e de ninguém mais. E eu fico feliz por você, por poder decidir, mas infelizmente não foi sempre assim e por mais que você ignore os fatos e não se importe com as conquistas feministas, você não vive em um presente contínuo, houve um passado. Um passado de lutas.
O uso do anticoncepcional, às vezes recomendado por ginecologistas para controle hormonal, está diretamente ligado à sexualidade da mulher. Está sobretudo ligado a uma escolha: “ser ou não ser mãe?”.
Por muito tempo, e ainda hoje, infelizmente, a liberdade sexual da mulher sempre foi limitada, isto é, quando existia alguma. Seja pelo fato do próprio sexo ter sido por muito tempo um tabu, ou devido ao papel imposto pelo patriarcado à Mulher, essa era uma das coisas das quais ela era privada: o prazer carnal. Não bastasse a pressão social e religiosa, havia ainda outra problemática: a mulher engravidava. E diferentemente do que muitos pensam, a maternidade é uma escolha e não uma conseqüência de ser/nascer mulher. Logo, o anticoncepcional, assim como outros métodos contraceptivos, foram um marco para a autonomia da mulher sobre o seu próprio corpo e seus próprios desejos. Nós também gostamos de sexo, afinal.
Foi aproximadamente na década de 60, marcada pela entrada em massa das mulheres nas universidades e a grande difusão da liberdade sexual, que a feminista Margaret Sanger procurou o então biólogo Gregory Goodwin Pincus com a idéia de criar um remédio que pudesse dar às mulheres o poder e a autonomia sobre seu corpo, ou seja, ter ou não filhos. Pincus acatou a ideia e seguiu com a pesquisa às escondidas, pois o uso de contraceptivos ainda era tido como ilegal na época. Anos depois a primeira pílula surgiu, e apesar de muita relutância da igreja e da própria sociedade, foi legalizada.
Foto de Jenny Lee Silver no Flickr em CC, alguns direitos reservados.
Foto de Jenny Lee Silver no Flickr em CC, alguns direitos reservados.
Mas que pílula mágica era essa, afinal? Como substâncias sintéticas que inibiam a ovulação podiam dar às mulheres o poder de decidir quando ter filhos e quantos ter? Simples, o anticoncepcional não era só um contraceptivo, era uma ideia. Uma ideia estranha de que as mulheres podiam ter autonomia sobre o seu próprio corpo. Um corpo que não era nem do Estado, nem da Igreja, nem do marido, mas sim delas. E elas agora podiam usar e abusar dele com mais liberdade graças às lutas feministas pela difusão e legalização do referido método.
Hoje a luta continua. O direito ao uso do anticoncepcional é nosso. Meu, seu, de tod@s nós. Seja você feminista ou não. Mas infelizmente aquela idéia de autonomia sobre o próprio corpo ainda não é muito aceita pela “sociedade” patriarcal e machista. Essa idéia é uma das principais bandeiras do Feminismo. Sim, aquele feminismo-que-não-tinha-nada-a-ver-com-você, mas que conseguiu muitos dos direitos que você possui hoje. Ele mesmo.
Infelizmente, apesar de todo o seu peso em nossa emancipação sexual, a pílula apresenta alguns efeitos colaterais que estão sendo muito questionados. Afinal, é um hormônio sintético, aplicado ao seu corpo todo mês. Isso sem falar na grande polêmica que envolveu a pílula Diane 35 devido às mortes por trombose venosa. E é aí que aquele Feminismo-que-não-tinha-nada-a-ver-com-você surge novamente com um interessante questionamento: E a responsabilidade do homem?
Levantar esta questão é de suma importância porque, ao tomar a pílula e ao assumir os riscos – tanto relacionados à saúde quanto à gravidez – que essa decisão envolve, a mulher parece ser a única responsável pelas conseqüências que podem vir a surgir. Afinal, quem foi que esqueceu de tomar a pílula, não é mesmo? Parece muito simples endossar esse discurso, principalmente se estivermos diante de uma sociedade patriarcal e capitalista. Mas não é bem assim que funciona.
O homem é tão responsável quanto a mulher, seja com relação a tudo o que envolve uma vida sexual a dois — casual ou não —, seja com relação às atividades domésticas e laborais. Até porque, o ‘filho da mãe’, se nascer, é do pai também. E esse falso moralismo que condena a sexualidade da mulher e a enxerga como uma culpada por todas as pragas do mundo, não passa de um machismo e como tal, deve ser combatido!
Assim, todos os dias quando for tomar a sua sagrada pílula, ou injeção, lembre-se da nossa luta e se quiser, junte-se a ela. Afinal, se uma simples pílula conseguiu fazer uma revolução, imagine o que você não seria capaz de fazer!

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Encontro Gestar


O dia dos pais está chegando, por isso resolvemos homenageá-los!!

No próximo encontro conversaremos sobre paternidade ativa. Contaremos com a presença de David Mattos, um pai participativo que nos contará sua trajetória e seus caminhos na paternagem ativa e consciente.

O encontro é para todos! Por isso será à noite, 19 horas, assim todos poderão estar conosco...

Tragam a família, os amigos... Vai ser lindo!!
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"O desafio do pai mamífero é estar presente, envolver-se desde o início da gestação neste redemoinho de sensações e descobertas que é a chegada de um filho. Pais ativos, conscientes, mamíferos, não ajudam, participam. Gestam também em si uma nova realidade, um princípio de família, um novo homem, companheiro, paterno. Estão ao lado da mulher em sua caminhada para parir ativa e respeitosamente. Empoderam-se junto às companheiras para receber a cria. Apóiam a amamentação, dão suporte, respeitam, defendem. Viram também ativistas, militantes. Acolhem seus filhos, embalam, acalentam. Sentem. Seu colo é forte, protege e orienta. Paternar consciente é nascer de novo, para ser novo junto de cada novo filho. Não basta ser pai: tem que ser mamífero."
(Os Mamíferos - Vila Mamífera)